trajetórias em processo
guilherme buenoEm sua segunda edição, o programa Trajetórias em Processo apresenta na Anita Schwartz Galeria de Arte as obras de Estela Sokol, Gustavo Speridião, Ronald Duarte, Tatiana Ferraz e Vijai Patchineelam. Se observamos entre os trabalhos expostos a possibilidades de diálogos e reciprocidades – ora temáticas, ora processuais, ora discursivas – podemos indicar que suas diferenças são uma vínculo às avessas igualmente contundente na demarcação de um campo contemporâneo.
Assinalar tal fato pretende menos interpreta-lo como uma particularidade da arte atual do que indica-lo como denominador cristalizado constituinte de nosso terreno. Trata-se, portanto, não só de averiguar as hipóteses aglutinadas em torno do termo arte, perspectivas que não necessariamente se ligam por parâmetros formais, lingüísticos, materiais ou de qualquer outra ordem, como também notar que elas já se organizam tendo a questão da alteridade (histórica e conceitual) como dado internalizado. Nesse sentido, poderíamos indagar se um de seus pontos cruciais não consistiria no seu delinear-se através de uma especificidade negativa, isto é, a obra implanta-se como arte ao ativar para si um campo no qual ela regula seus termos afirmando-se pelo que ela não quer mais ser (sem com isso descartar uma relação consistente com suas referências). Com isso, ao invés de vasculharmos uma essência comum às coisas, procuramos antes transitar nos intervalos que elas abrem reciprocamente entre si. Estes vãos escapam de ser uma terra de ninguém na medida em que as obras sempre depositam neles uma potência comunicativa seja com seus pares, seja com o espectador.
O que seria a produção contemporânea, visto que ela, particularmente no caso do Brasil, ainda lida simultaneamente (e não sucessivamente) de maneira ora positiva, ora fantasmagórica com uma modernidade e uma pós-modernidade históricas? De fato, tal problema é vivido de modo intenso e singular, perceptível nas espacialidades em jogo lançadas por cada trabalho. Sua constituição toma conceito, imagem, a experiência das metrópoles, as sensações como matérias físicas: se há nelas uma objetualidade, não é tanto de uma eventual ordem plástica, mas se aproxima antes de uma objetidade histórica. E, ao falarmos de história, é inevitável pensar como numa época que supôs nascer em seu crepúsculo, o tempo reveste-se também de uma nova materialidade. Se há uma agenda hoje, ela não cabe mais em nosso bolso; ela é o próprio mundo que a arte faz real.
ESTELA SOKOL
As esculturas de Estela Sokol escavam de uma só vez os espaços da modernidade e aqueles "pós"-modernos. Eles fazem uma agregação “anti-brancusiana” do espaço exterior: ao invés de sugar o entorno para a superfície, a luz que suas esculturas emanam é interna, objetual (ao agrega-la ao corpo da matéria), mas também prolonga-se para além de seus limites formais, físicos. Há nisto uma outra dualidade escultórica – uma vez conferida volumetria a luz, sua plasticidade não-material (ainda que corpórea) assume uma solidez de natureza antagônica, mas de espessura equivalente a da pedra ou do acrílico.
GUSTAVO SPERIDIÃO
A encruzilhada da pintura como poesia figurada ou da poesia como pintura escrita, impasse transformador da arte está no substrato das obras de Gustavo Speridião. Esta trama entre texto e imagem, porém, encampa outras estruturas complexas. Suas pinturas trafegam entre a poluição da paisagem urbana, a vertigem da explosão de imagens fundadora da visualidade moderna, a politização da superfície pictórica quase como um cartaz. E, ao colocar esta analogia, o problema em jogo não é o de uma mensagem, mas o de sabotar qualquer resquício de neutralidade, trata-se de aguçar o que seria um lírico na era do último capitalismo, uma história do olho como “parafetichização” do olhar.
RONALD DUARTE
Trabalhos cuja escala desde o início, mais do que pública, é aquela da multidão. As performances e objetos de Ronald Duarte ultrapassam a cooptação do espectador – elas acionam um dispositivo de imersão, que, no entanto, extrapola a vivência de uma dimensão urbana e coletiva apenas como uma “celebração”. Eles testamo indivíduo, colocam à prova até que ponto ele enfrenta a exaustão, a histeria, o horror ou a exasperação do mundo. A energia que suas ações desencadeiam colapsa a excitação e mal-estar, operam na escala de cidades globais, com seus refugos, suas desordens entrecruzados com uma vontade amoral e não-finalista de transvaloração da experiência da arte.
TATIANA FERRAZ
Tatiana Ferraz explora o limiar entre uma vontade moderna e sua impossibilidade "pós"-moderna. Suas obras evocam ocupam lugares e práticas ambicionados pela modernidade (o espaço da cidade, o campo da pintura; o itinerário entre as artes, o design, a arquitetura e o urbanismo como empreendimento rumo à forma total), mas para com isso inquirir o seu tornar-se duplo da forma: em um deles, por exemplo, o espaço da pintura é apropriado, há um vocabulário geométrico que parafraseia as heranças construtivas, mas a limpidez ali parece impedir o desejo de sublimação – o objeto rebate a imersão, indaga a frontalidade do espectador, averigua o que seria (ou não) um olhar desejante pós-industrializado.
VIJAI PATCHINEELAM
Dotadas de uma presença objetual, as pinturas de Vijai Patchineelam tem uma espessura que tangencia o performático. Não se trata de restringi-las a um problema de gestual, mas delas, tanto na sua espacialização (montadas em "blocos"), quanto na brutalidade com que se depositam sobre a superfície colocarem o espaço da pintura no espaço real. Visto sob este ponto, pode-se considerar que aquelas camadas de pigmentos são também de histórias da pintura, na medida em que este movimento de refazer a pintura ficar à beira de despencar de seus antigos limites acaba tomando intuitivamente seu dilema espacial histórico como forma – forma não restritamente plástica, mas ato de espacialização.
janeiro de 2009
frozen sky (trajetórias em processo)