meio dia e meia
priscila sacchettinUm paralelepípedo, de início. Depois, corte chanfrado e articulação, a peça se divide em duas e não se aquieta mais. Uma parte se apega ao chão, quer rastejar; outra parte descreve um arco no espaço e busca apoio na parede: quer escorrer. Valendo-se de duas operações – corte e articulação – Estela Sokol desperta a massa negra, recompondo o volume e a distribuição do peso. Mudam também as relações espaciais com o ambiente e com o espectador, antes baseadas na estabilidade e coesão do volume, na suficiência da base como sustentação.
Solucionado demais. Lançando parte de si no espaço, a peça renuncia à inércia e interage com o ambiente de forma dinâmica. Solicita a parede, sugere desdobramentos, interpela o lugar. Chão e parede envoltos em ambigüidade: sustentam ou limitam? Vemos então que a obra não é apenas a grande peça negra, mas toda a sala e tudo o que há ali. Inclusive o espectador, pois cada deslocamento seu resulta numa reconfiguração do conjunto do qual faz parte. Seu olhar desencadeia um ciclo de estruturação, desestruturação e reestruturação do visível com o qual se depara.
Esse ciclo não cessa antes da ausência do espectador. É um sistema que opera pela constante demanda por resolução, que só pode ser obtida pelas possibilidades inerentes ao sistema. E só assim: resolvido e dissolvido por dentro. Ou seja, o volume é indagado por meio do volume, o peso é pensado pelo peso. A experiência dessas questões ocorre por meio de combinações existentes entre, por exemplo, bloqueio ou passagem do espectador, contornar a peça ou penetrar o espaço, permitir ou impedir a visão.
novembro de 2006
meio-dia e meia