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depois piora

rafael campos rocha

Ela fez o certo, deixando o laranja escondido daquela Caixa de Pandora emborrachada instalada dentro da opacidade institucional da galeria. Essa opacidade já desesperou muitos artistas, que com sua crítica ao "cubo branco", não fizeram mais que transformá-lo em tabu, ou seja, torná-lo muito maior do que realmente fora antes de ser morto e deposto. "À primeira vista" (como dizem os críticos profissionais, incluindo esse) o negro pode trazer um pouco de ilusão de profundidade e interioridade ao espaço. Não é uma ilusão que persista. A borracha negra está mais para o desespero dos rituais de estetização do sexo do bondage do que para a espessura atribuída à vida por homens como Richard Serra. Mesmo a luz laranja que você vê dentro desse Aleph negro, ao espiar por baixo de seu luto ou pelo reflexo na moldura branca no chão, não nos traz nenhuma redenção (mais crítica profissional, primeiro atribuímos uma visão ao expectador "normal" para depois revelarmos a nossa "visão diferenciada"). Uma opacidade sobre outra, e depois dentro de outra. No branco opaco da instituição, o preto falsamente penetrável da borracha, por sua vez falsamente preenchido pelo laranja impenetrável da pintura técnica. Um inferno de promessas de interioridade, "daqueles em que um homem pode perder a sua alma", como disse Gogh, que para gostar de uma danação estava sozinho. Quem mora nas cidades já viu muitos homens e mulheres perderem-se atrás da Revelação do desejo. Não adianta, o desejo não é. O desejo adia a revelação do seu Ser na busca e atropela o significado em suas aparições abruptas. O desejo é a busca.

       Ela fez muito bem também em virar aquele cubo de granito para baixo, um sol descendo em queda nada livre para o chão branco, em um luto chinês. O granito também é pintado. Não é ele. Nada aqui é. O desejo de novo. Devem ser todos sobre isso. O demônio do corpo e a infalível decepção da sua culminação. Afinal, se não for para se decepcionar, para que querer? Enfim, qual era a imagem? O sol que desce, o poente do desejo, a culminação do ato e o sopro da morte. Esse crítico interpreta (e interpretar nada mais é do que reafirmar a impotência de Dizer) assim: impossível não querer a morte. Pelo menos como imagem. E a morte é a própria impossibilidade de sua imagem; é, de certa forma o seu oposto e o limite mesmo da faculdade do homem de narrar. Podemos não querer a dor, porque conhecemos todas as suas facetas ainda impúberes. E temos a sua narrativa psicanalítica, filosófica, econômica e estética. Mas a morte não é a culminação da dor. A morte é outra coisa. É a própria Outra Coisa. Por isso eu acho que esses rituais decadentistas da dor não abdicam do prazer simples e animal por uma suposta sublimação estética e idealista, mas sim por uma imagem estética ― e, portanto, consoladora como toda imagem é ― da morte. Uma morte segura, na fechadura da webcam. Provavelmente daí venha a retomada fashion da retórica das vanguardas históricas sobre a violência, tanto revolucionária quanto do corpo: da impossibilidade de sua concretização, ou melhor da vontade de sua institucionalização. Porque transformar a violência em arte, que é sempre uma atividade institucional, nada mais é do que uma desesperada tentativa de controle, ou de nominação. De qualquer forma, como diria a Filosofia, "só um tapinha não dói".

       Fez o certo na parede branca que divide a exposição em duas. É mais que um comentário sobre o grande muro mefistofélico da sala principal. É o seu par. Uma outra pele opaca, com uma fresta, tornada fálica (pelo oposto óbvio) entre a borracha negra e o muro denteado de branco.

       E ela está grávida, é claro! Sua prole, ou pelo menos suas crisálidas, são ao mesmo tempo soturnas e luminosas, a carne sintética prensada entre o Indizível branco da parede e a também sintética (também falsa, também metáfora de nada, mais cultural que o mais cultural dos neopops) pele translúcida que os envolve. Os interiores desses bulbos, também sintéticos, são incapazes da Fala (mas não porque são sintéticos, e sim porque aludem a uma organicidade que não têm) e precisam enfrentar sua individuação, sua expulsão do Paraíso com um mutismo que não os torna, nem de longe, mais dóceis. Apesar de seu interior ser, em sua concepção, quase idêntico ao seu exterior, seu lugar nesse Sistema é sofrer um esmagamento que os constitui. E põem as manguinhas de fora em um gemido. Gemem pelo que os expulsa, pelo externo, que os trancafia em seu único lugar possível e ― principalmente ― pelo olhar que os faz existir.

agosto de 2007

halo

exposição individual com curadoria de rafael campos
galeria virgilio, são paulo, brasil, 2007