segundos, terceiros e outros tantos sóis a nos rodear
victor gorgulho
À primeira vista – talvez meramente desavisada por parte de um visitante do Parque Cultural Casa do Governador –, um primeiro encontro com Poente, escultura da artista Estela Sokol realizada e instalada ao ar livre entre a vegetação e o mar, nos domínios do Parque, seja capaz de causar um insuspeitado desconcerto ou torpor em quem diante dela colocar-se. Seja pela escala impressiva ou mesmo pela engenhosidade da obra, tais primeiras reações, no entanto, possivelmente logo serão substituídas por um confortante senso de familiaridade com a “criatura” que miramos.
Como apenas os bons trabalhos de arte são capazes de provocar, a escultura de Sokol (passível, naturalmente, de distintas leituras) não tarda em nos conduzir a uma espécie de exercício fabulativo instantâneo, ainda que particular. Trata-se de um sol ao contrário, prestes não a se pôr no horizonte, mas, em vias estranhamente opostas, a cravar-se no solo sem deixar que o dia termine e as noites passem a ser banhadas por sua estranheza? Ou, ocorrerá aos mais catastróficos transeuntes: estamos diante de um meteorito que, meio orgânico, meio artificial, imponentemente nos encara, impávido, sem que o possamos classificá-lo em sua singular luminescência? Seja pelo caminho que for, no entanto, Poente atinge seu brilho máximo justamente quando ganha, no mundo, a autonomia de um ser não-identificado, feito um astro que nos aponta para a possibilidade de vidas outras, espaço sideral afora e planeta Terra adentro. Da terra firme ou em alto mar, finca-se no solo, do decisivamente no solo e nos agracia com sutis gradações e mudanças de cor e luminosidade, ao longo do percurso de um dia. Como um cinema involuntário da natureza, nos colocamos diante dele não mais a decifrá-lo em suas minúcias formais, mas, invariavelmente, nos percebemos tomados pela experiência de reversão do tempo e de uma suposta ordem natural das coisas. O Poente de Sokol nunca se despede, sorrateiro, no horizonte distante. Por vias opostas, segue a nos banhar em luz e na crença de que outros planos – astrais, naturais, siderais – estão a nos rodear. Assim, nunca nos sentiremos sozinhos em sua companhia.
2023
poente