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mapas invisíveis


exposição coletiva com curadoria de daniela name
galeria vitrine paulista – caixa cultural, são paulo, brasil, 2011

impressão sobre metacrilato e granito pintado. 2011
40 x 230 x 3.5 cm
fotos estela sokol e thiago rocha pitta

estela sokol e a barra funda

daniela name

Gabriel chegou a ser chamado de "porco star" [1] da Barra Funda, bairro de São Paulo onde Estela Sokol tem seu ateliê. Parte da paisagem da região de 2007, quando nasceu, até este 2011 – quando morreu vítima de causas naturais – o animal revela uma cidade muito distante dos estereótipos grudados à imagem da capital paulista, "maior metrópole do Brasil".

        Em sua origem, a Barra Funda era a enorme área da Fazenda Iguape, que foi loteada em diversas chácaras no século XIX e assim começou a definir o desenho da malha urbana desta região. Ícone de uma "São Paulo profunda", a área foi ponto de fixação da colônia italiana – que tinha no campo do Palestra uma de suas âncoras -, abrigou uma das residências de Mario de Andrade, o antes faustoso Teatro São Pedro e a efervescência industrial do início do século XX. A migração das fábricas áreas marginais e cidades-satélites de São Paulo fez com que a Barra Funda se transformasse um pouco em território fantasma, parcialmente desabitado. Nas últimas décadas, artistas e profissionais liberais redescobriram ali um território de fronteira, passível de proporcionar expansão e ocupação em uma cidade já saturada, com metro quadrado caríssimo.

        A escolha de Sokol por mostrar um porco como mapa invísivel é bastante curiosa e salutar em uma exposição que a arte se debruça sobre a cidade não-vista, partida, esquecida. Um porco na galeria de arte é quase um elefante no meio da sala. É a prova cabal de que, embora São Paulo se avizinhe de Tóquio ou de Londres graças ao mundo globalizado, também guarda dentro de si rincões que são caipiras e periféricos.

        Gabriel é meio Jeca Tatu, é a memória de uma brasilidade, a perturbação sui generis que apresenta o vínculo com a matéria e com os subúrbios. Tal evidência causar vergonha e desconforto para quem experimenta o melhor do mundo, mas pode desconhecer um bairro próximo de sua casa.

        A Barra Funda fica próxima a Higienópolis, mas há moradores deste nobre bairro de São Paulo que não freqüentam o território ao lado, assim como há cariocas residentes na Zona Sul do Rio que não vão ao Catete ou a Urca (bairros também listados na Zona Sul), menos ainda ao Centro e às zonas Norte ou Oeste. Há nas elites de qualquer metrópole uma facilidade de conviver com todo o planeta através do consumo ou da internet, mas uma resistência em se reconhecer nos territórios vizinhos. O outro mais distante é mais nítido e mais cobiçado do que aquele que está ao lado.

        Gabriel, trabalho composto por um conjunto de fotos em metracrilato e uma lápide em granito, evidencia esta relação da cidade consigo mesma. E faz ainda uma ponte interessantíssima com um procedimento recorrente na trajetória de Sokol: nas últimas exposições, a artista tem levado parte de seu ateliê para o ambiente de galerias e museus, transpondo para o cubo branco da área expositiva parte do acúmulo e de uma aparente desordem vistos em seu ambiente de trabalho. Transformado em obra, Gabriel, personagem da Barra Funda, proporciona este mesmo tipo de viagem, fazendo com o que o universo ao redor da artista possa habitar provisoriamente outro lugar.

        Gabriel estabelece ainda uma relação com outro personagem da obra de Sokol. Ofélia, a princesa de Hamlet, que recentemente ancorou sua exposição individual A morte das Ofélias, realizada na galeria Anita Schwartz, no Rio. Nesta mostra, uma lápide de granito se soprepunha a uma foto em metacrilato que mostrava um lago na floresta, clara referência ao cenário do suicídio da personagem.

        Gabriel também ganhou sua lápide de granito, que sucede a sequência de três fotos em que é visto nas ruas da Barra Funda. Como ocorre em muitas esculturas de Sokol, o verso granito deste trabalho foi pintado de uma tinta fosforescente, que se projeta na parede. Como um corpo que revela sua alma, a obra pinta a galeria com a ajuda da luz. Isso exige do visitante que permaneça um pouco mais diante do trabalho. Ele oferece assim, quem sabe, um pouco mais de tempo para Gabriel e seus passeios.

março de 2011

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1        Em reportagem do site G1, assinada por Robson Bertolino e publicada na home do portal em 28 de novembro de 2007.